sexta-feira, 3 de abril de 2015

QUEM TEM MEDO DE GENTE VIADA

A gente brinca que tem duas coisas que eu não sou: hétero e obrigada. Homofobia, quando vem do pastor lá do Congresso, eu até entendo. Agora, as guei reproduzindo homofobia? Aí não dá.








Tudo começou assim: estou solteiro. Mas nem sempre foi assim. Logo quando vim pra Juiz de Fora, conheci uma pessoa incrível, que me rendeu momentos muito especiais. Começamos uma relação bastante saudável, até por que a gente combinava ideias em um assunto polêmico, a política. Em todos os sentidos, desde a preferência partidária até outros aspectos da vida. Só que, como bem disse Marx, tudo que é sólido se desmancha no ar. Depois de quase dois anos de namoro maravilhosos, percebemos que a nossa relação tinha esfriado. Sabe feijão com arroz? Todo mundo ama. Mas se ficar comendo só feijão com arroz, todo dia, uma hora cansa. E nesse meio tempo, entre um almoço e outro, vimos que a farinha sempre empelotava no tutu, cada dia mais evidente e amarga. Nossas limitações, fragilidades e medos tomaram conta de um jeito que o nosso amor esfriou.  Era hora de partir.

E assim foi que fiquei solteiro em pleno carnaval do Rio de Janeiro. No meio de amigos e bebidas, além dos blocos de carnaval intermináveis, fui conhecendo outras pessoas, novas possibilidades. E conheci os aplicativos de pegação que nunca tinha usado, pra “esquecer” o relacionamento que já havia atingido seu crepúsculo.

Comecei a usar o Tinder, justamente porque considerei mais simples e humanizado. É claro que causa estranheza, ou no mínimo uma sensação estranha, o fato de selecionar pessoas a partir de fotos, sem ter ao menos uma dica do caráter, ou da intenção das pessoas. (Não vou discutir aqui como esses aplicativos são uma metáfora do sistema capitalista, isso fica assunto de outro post. Mas adianto que escolhemos nossos relacionamentos como produtos, e ganha quem fizer a maior propaganda – eis o fetichismo da mercadoria! Literalmente, rs).

Esses dias, coloquei esta foto no perfil, justamente na primeira imagem, por uma razão simples: eu gosto dela e acho que estava minimamente atraente.



Ó a fotoca aí, rs

E assim a vida seguiu, normal. O mundo continuou girando, as galinhas continuaram acordando na madrugada, ninguém saiu ferido. E eu continuei usando o Tinder. E, num desses pacatos dias, recebi a notificação típica do aplicativo: fulano e vc combinaram! Fui e comecei a bater papo, soltando um maroto “ei” com uma carinha feliz. E aí recebo a seguinte resposta:






Já vou me arrepender por não mostrar a foto do sujeito!


No início, fiquei meio sem entender.



Depois de um segundo, minha cara já estava assim:

Backrolls?



Homofobia. HO-MO-FO-BIA. Reprodução de um discurso machista. Na minha cara! Eu, militante LGBT, discípulo de Madonna, Paris is Burning e Cher, ia deixar isso quieto??



NO, BITCH. Querida, se você pensou assim, volte vinte e quatro casas e reinicie o jogo. Machismo a gente responde é na lata. Pensei em ser cuidadoso, e tentei explicar. Eu vou fazer o quê? Eu vou matar? Nãaãão, eu inducar, eu vou iscrarecer, como já nos ensinava D. Edith.


Eu poderia deixar pra lá, fingir que não era comigo. Mas fui responder, porque como já disse, não sou obrigada. Coloquei em palavras o turbilhão de sentimentos que se passou na minha cabeça. A palavra é: didático. Tentei ser didático. E a bicha ainda me vem com essa:





Frescura pra mim é elogio, querido! Antes fresco que acabado, rs


A primeira sensação que eu tive, quando li isso, foi desaforo. A segunda, de incredulidade. A terceira, de cair na real e lembrar o quanto o machismo é muito forte. A quarta, foi perceber o quanto o nosso Coletivo Duas Cabeças é necessário. Já dizia Foucault: onde há poder, há resistência! E o machismo é um desses monstros que precisamos vencer, pra tornar as nossas vidas em sociedade um pouco mais palatáveis.

E como eu falo de homofobia. Em palestras, na sala de aula, na conversa com o amigo. Mas é diferente quando acontece com você. Acreditam que eu fiquei assustado? Sim, essa coisinha aí conseguiu um efeito de poder imenso com apenas algumas palavrinhas. Eu senti meu sangue ferver, meu coração bater com rapidez, e eu me senti fisicamente mal por alguns segundos. O nome disso: violência simbólica. Um ato ardiloso, que atinge a dignidade, capaz de não somente tirar do sério, mas ataca a sua própria condição de humanidade.

Pobre rapaz... Não sabe ele que o maravilhoso do mundo é a diversidade, com suas várias nuances e singularidades. Pois se todo mundo fosse igual, que graça teria? Pra quê machismo? Pra quê Tinder? Não sabe ele que existe um vasto mundo de possibilidades fora da heteronormatividade. É só se permitir e ser fabuloso, da forma como bem entender!

E foi assim. Sabe o que dá vontade de fazer com um povo desses? De chacoalhar a cabeça da bicha e dizer, miga, você também sofre esse preconceito! Bota a cara no sol! Como não dá pra enfiar a mão na cara do sujeito, o máximo que estava a meu alcance, eu fiz (e sambei! rs).

Por que o medo de gente viada? É doença isso, produção? Sua masculinidade vai ficar tããão abalada assim? Que pena. Achei que você era um cara legal. É por conta disso que os Felicianos, os Malafaias - e os similares genéricos, encontrados em cada esquina – acham que tem tanto poder assim! É por isso que várias pessoas LGBT são assassinadas, ou no mínimo excluídas do convívio entre os ~normais~ e as ~pessoas de bem~, tendo a sua dignidade corroída dia após dia. Sendo obrigadas a entrar na Matrix, ser parte da “maioria”. E elas fazem isso como? Da pior maneira possível: roubando a dignidade do outro, inferiorizando, só pra se sentir superior.

Quer dizer: a pessoa já é discriminada e quer discriminar seus iguais. Um verdadeiro absurdo pra qualquer ser humano, simplesmente porque eu tirei uma foto com um cadinho de purpurina da boca e nos olhos. Só digo 01 coisa: bicha, melhore! Eu hein. Precisa ficar fazendo inferno na vida das outras?

E nem vem dizer que é questão de gosto. Se é isso, então seu “gosto” é machista e opressor, oras. Preferências, todxs temos, eu também tenho, mas há uma divisão clara entre isso e machismo. Pra mim é o seguinte: é do gênero masculino? Sim. Respira sem a ajuda de aparelhos? Sim. Então tá valendo. Sem mais. Mas se a pessoa for machista.. Huum, aí dá uma dor que nem soco na boca do estômago, como essas frases que a gente tanto escuta.

“Posso até ser gay, mas não tenho cara de bicha.” “Posso até ficar com outros homens, mas dar, isso é coisa de mulherzinha.” Eis o maior mito da sociedade patriarcal: o do macho alfa. Seres viris, que abrem latas com os dentes, cospem a tampa na rua e comem no bico a sardinha - crua. Deixa eu te contar um negócio, miga: você quer ser igual a seu opressor? Pra quê??? Não importa o que você faça, sua simples existência ameaça a heterossexualidade compulsiva. Use esse poder pra se afirmar, caramba! Será que é tão difícil assim? Você não vai deixar de ser menos gay se parecer “””homem”””. Se eu trocar a polêmica foto por esta, vou parecer mais homem? Desculpa.


Posso até "enganar", na cabeça de um ou outro. Mas vou deixar de ser o que sou? Nunca - e nem desejo.


A gente precisa se livrar dessas heterossexualidade compulsória. Livrarmo-nos dessas mesquinharias diárias que oprimem as outras pessoas assim, de graça. Perceber na nossa própria existência um caminho de transgressão; afinal, quem se beneficia dessas regras é somente o branco-heterossexual-ocidental-rico. E ponto. É assim que a roda do machismo funciona! E vc, migo do Tinder, não preenche o requisito!

O grande ponto é: você pode ser quem você quiser. A única exigência é que você respeite a liberdade dxs outrxs. Assim como você tem o direito de andar de calça e cinto de couro, eu tenho de usar saia e colocar um batom. Lide com isso. Deixa as guei darem pinta, deixa todo mundo ser feliz. É melhor.


I'M NOT JOKING, BITCH!



Eu tou aqui de boa. Perdeu a oportunidade de conhecer o homem da sua vida conversar comigo. Eu é que ganho com essa história toda. Se tem gente que não me curte por causa de uma foto com purpurina, sinto muito. Neeext! E só pra terminar, é lógico que a foto ficou viada. Pois é isso que sou, v-i-a-d-o. E não tenho vergonha NENHUMA disso. É a minha identidade. Vá procurar seus branco e deixa eu aqui com meu viadismo!

2 comentários:

  1. Não tem coisa melhor do que ser veado. Como não sentir orgulho disso?
    Talles, brilhou!

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  2. Eu organizo uma festa cuja proposta principal é a liberdade... isso significa que tem homem beijando homem, mulher beijando mulher, homem de saia, mulher de terno e quem mais vier pra dançar... canso de responder que NÃO É UMA FESTA GAY a quem pergunta, pq isso é rotular. Sempre q enfrentamos um local novo onde fazer a festa, a primeira pergunta dos donos costuma ser: "é festa gay?". Já passei a responder q não, não é, MAS VAI TER BEE PINTOSA JOGANDO PURPURINA DO PALCO, SIM! E os incomodados q se retirem, justamente pq ninguém é obrigado!

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