A gente brinca que tem duas coisas que eu não sou: hétero e obrigada. Homofobia, quando vem do pastor lá do Congresso, eu até entendo. Agora, as guei reproduzindo homofobia? Aí não dá.
Tudo começou assim: estou
solteiro. Mas nem sempre foi assim. Logo quando vim pra Juiz de Fora, conheci
uma pessoa incrível, que me rendeu momentos muito especiais. Começamos uma
relação bastante saudável, até por que a gente combinava ideias em um assunto
polêmico, a política. Em todos os sentidos, desde a preferência partidária até
outros aspectos da vida. Só que, como bem disse Marx, tudo que é sólido se
desmancha no ar. Depois de quase dois anos de namoro maravilhosos, percebemos
que a nossa relação tinha esfriado. Sabe feijão com arroz? Todo mundo ama. Mas
se ficar comendo só feijão com arroz, todo dia, uma hora cansa. E nesse meio
tempo, entre um almoço e outro, vimos que a farinha sempre empelotava no tutu,
cada dia mais evidente e amarga. Nossas limitações, fragilidades e medos
tomaram conta de um jeito que o nosso amor esfriou. Era hora de partir.
E assim foi que fiquei solteiro
em pleno carnaval do Rio de Janeiro. No meio de amigos e bebidas, além dos
blocos de carnaval intermináveis, fui conhecendo outras pessoas, novas
possibilidades. E conheci os aplicativos de pegação que nunca tinha usado, pra “esquecer”
o relacionamento que já havia atingido seu crepúsculo.
Comecei a usar o Tinder, justamente
porque considerei mais simples e humanizado. É claro que causa estranheza, ou
no mínimo uma sensação estranha, o fato de selecionar pessoas a partir de
fotos, sem ter ao menos uma dica do caráter, ou da intenção das pessoas. (Não
vou discutir aqui como esses aplicativos são uma metáfora do sistema
capitalista, isso fica assunto de outro post. Mas adianto que escolhemos nossos
relacionamentos como produtos, e ganha quem fizer a maior propaganda – eis o
fetichismo da mercadoria! Literalmente, rs).
Esses dias, coloquei esta foto no
perfil, justamente na primeira imagem, por uma razão simples: eu gosto dela e
acho que estava minimamente atraente.
Ó a fotoca aí, rs
E assim a vida seguiu, normal. O
mundo continuou girando, as galinhas continuaram acordando na madrugada,
ninguém saiu ferido. E eu continuei usando o Tinder. E, num desses pacatos
dias, recebi a notificação típica do aplicativo: fulano e vc combinaram! Fui e
comecei a bater papo, soltando um maroto “ei” com uma carinha feliz. E aí
recebo a seguinte resposta:
Já vou me arrepender por não mostrar a foto do sujeito!
No início, fiquei meio sem
entender.
Depois de um segundo, minha cara já estava assim:
Backrolls?
Homofobia. HO-MO-FO-BIA. Reprodução
de um discurso machista. Na minha cara! Eu, militante LGBT, discípulo de Madonna, Paris is Burning e Cher, ia deixar isso quieto??
NO, BITCH. Querida, se você pensou assim, volte vinte e
quatro casas e reinicie o jogo. Machismo a gente responde é na lata. Pensei em
ser cuidadoso, e tentei explicar. Eu vou fazer o quê? Eu vou matar? Nãaãão, eu
inducar, eu vou iscrarecer, como já nos ensinava D. Edith.
Eu poderia deixar pra lá, fingir que não era comigo. Mas fui responder, porque como já disse, não sou obrigada. Coloquei em palavras o turbilhão de sentimentos que se passou na minha cabeça. A palavra é: didático. Tentei ser
didático. E a bicha ainda me vem com essa:
Frescura pra mim é elogio, querido! Antes fresco que acabado, rs
E como eu falo de homofobia. Em palestras, na sala de aula, na conversa com o amigo. Mas é diferente quando acontece com você. Acreditam que eu fiquei assustado? Sim, essa coisinha aí conseguiu um efeito de poder imenso com apenas algumas palavrinhas. Eu senti meu sangue ferver, meu coração bater com rapidez, e eu me senti fisicamente mal por alguns segundos. O nome disso: violência simbólica. Um ato ardiloso, que atinge a dignidade, capaz de não somente tirar do sério, mas ataca a sua própria condição de humanidade.
Pobre rapaz... Não sabe ele que o maravilhoso do mundo é a diversidade, com suas várias nuances e singularidades. Pois se todo mundo fosse igual, que graça teria? Pra quê machismo? Pra quê Tinder? Não sabe ele que existe um vasto mundo de possibilidades fora da heteronormatividade. É só se permitir e ser fabuloso, da forma como bem entender!
E foi assim. Sabe o que dá
vontade de fazer com um povo desses? De chacoalhar a cabeça da bicha e dizer, miga,
você também sofre esse preconceito! Bota a cara no sol! Como não dá pra enfiar a mão na cara do sujeito, o máximo que estava a meu alcance, eu fiz (e sambei! rs).
Por que o medo de gente viada? É doença isso, produção? Sua masculinidade vai ficar tããão abalada assim? Que pena. Achei que você era um cara legal. É por conta disso que os
Felicianos, os Malafaias - e os similares genéricos, encontrados em cada esquina –
acham que tem tanto poder assim! É por isso que várias pessoas LGBT são
assassinadas, ou no mínimo excluídas do convívio entre os ~normais~ e as ~pessoas
de bem~, tendo a sua dignidade corroída dia após dia. Sendo obrigadas a entrar
na Matrix, ser parte da “maioria”. E elas fazem isso como? Da pior maneira
possível: roubando a dignidade do outro, inferiorizando, só pra se sentir
superior.
Quer dizer: a pessoa já é discriminada e quer discriminar seus iguais. Um verdadeiro absurdo pra qualquer ser humano, simplesmente porque eu tirei uma foto com um cadinho de purpurina da boca e nos olhos. Só digo 01 coisa: bicha, melhore! Eu hein. Precisa ficar fazendo inferno na vida das outras?
E nem vem dizer que é questão de
gosto. Se é isso, então seu “gosto” é machista e opressor, oras. Preferências,
todxs temos, eu também tenho, mas há uma divisão clara entre isso e machismo.
Pra mim é o seguinte: é do gênero masculino? Sim. Respira sem a ajuda de
aparelhos? Sim. Então tá valendo. Sem mais. Mas se a pessoa for machista..
Huum, aí dá uma dor que nem soco na boca do estômago, como essas frases que a
gente tanto escuta.
“Posso até ser gay, mas não tenho
cara de bicha.” “Posso até ficar com outros homens, mas dar, isso é coisa de
mulherzinha.” Eis o maior mito da sociedade patriarcal: o do macho alfa. Seres
viris, que abrem latas com os dentes, cospem a tampa na rua e comem no bico a sardinha - crua. Deixa eu te contar um negócio, miga: você quer ser igual a seu
opressor? Pra quê??? Não importa o que você faça, sua simples existência ameaça
a heterossexualidade compulsiva. Use esse poder pra se afirmar, caramba! Será
que é tão difícil assim? Você não vai deixar de ser menos gay se parecer “””homem”””.
Se eu trocar a polêmica foto por esta, vou parecer mais homem? Desculpa.
Posso até "enganar", na cabeça de um ou outro. Mas vou deixar de ser o que sou? Nunca - e nem desejo.
A gente precisa se livrar dessas heterossexualidade compulsória. Livrarmo-nos dessas mesquinharias diárias que oprimem as outras pessoas assim, de graça. Perceber na nossa própria existência um caminho de transgressão; afinal, quem se beneficia dessas regras é somente o branco-heterossexual-ocidental-rico. E ponto. É assim que a roda do machismo funciona! E vc, migo do Tinder, não preenche o requisito!
O grande ponto é: você pode ser
quem você quiser. A única exigência é que você respeite a liberdade dxs outrxs.
Assim como você tem o direito de andar de calça e cinto de couro, eu tenho de
usar saia e colocar um batom. Lide com isso. Deixa as guei darem pinta, deixa todo mundo ser feliz. É melhor.
I'M NOT JOKING, BITCH!
Eu tou aqui de boa. Perdeu a
oportunidade de conhecer o homem da sua vida conversar comigo. Eu é que ganho com essa
história toda. Se tem gente que não me curte por causa de uma foto com
purpurina, sinto muito. Neeext! E só pra terminar, é lógico que a foto ficou
viada. Pois é isso que sou, v-i-a-d-o. E não tenho vergonha NENHUMA disso. É a
minha identidade. Vá procurar seus branco e deixa eu aqui com meu viadismo!
Não tem coisa melhor do que ser veado. Como não sentir orgulho disso?
ResponderExcluirTalles, brilhou!
Eu organizo uma festa cuja proposta principal é a liberdade... isso significa que tem homem beijando homem, mulher beijando mulher, homem de saia, mulher de terno e quem mais vier pra dançar... canso de responder que NÃO É UMA FESTA GAY a quem pergunta, pq isso é rotular. Sempre q enfrentamos um local novo onde fazer a festa, a primeira pergunta dos donos costuma ser: "é festa gay?". Já passei a responder q não, não é, MAS VAI TER BEE PINTOSA JOGANDO PURPURINA DO PALCO, SIM! E os incomodados q se retirem, justamente pq ninguém é obrigado!
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