domingo, 1 de março de 2015

Sobre privilégios e 'mimimis'

            Venho falar de uma coisa que machuca, mas que não fere.  Aquela coisa chata que todos falam e a maioria das pessoas acha um saco. Talvez você também. É, estou falando dos privilégios. Não se preocupe, porque eu te entendo. Falo de uma posição privilegiada: apesar de ser homossexual, sou homem, branco, magro e nunca passei por sérias dificuldades econômicas. Para ser completamente sincero às vezes fico me perguntando se eu não seria um cara que tá pouco se fodendo pra essa coisa de um mundo melhor se eu não fosse homossexual. Talvez, mas não posso falar de uma posição onde não me encontro. A verdade é que nasci assim e passei uns maus bocados por isso.

Não posso falar nada, tenho que ficar medindo minhas palavras, lá vem
a tal da mordaça gay. De quem será mesmo o tal do 'mimimi' ?



            Eu sei que, se você não é homossexual, é chato ficar ouvindo o nosso, como alguns costumam denominar, ‘mimimi’ sobre tudo. Mas, bem, você não é homossexual, então você não pode falar de uma posição onde não se encontra. Isso te incomoda pelo mesmo motivo pelo qual milhares de ‘mimimis’ de mulheres, negros, transexuais, travestis, etc. me incomodaram durante muito tempo. Aliás, vamos ser sinceros: ainda incomodam. E incomodam porque invadem o nosso espaço. Fazem nossas piadas ficarem sem graça. Mexem com o jeito que a gente fala. Controlam as nossas ações. Ferem o nosso ego. Feministas podem acabar com o meu texto chamando-o de machista e com toda razão! Repare bem que a imensa maioria dos pronomes que uso estão no masculino. E o feminino? E as mulheres? Isso acontece porque a linguagem foi construída majoritariamente por homens, ao longo de todos estes séculos. É fácil pra nós, do sexo masculino, ficarmos irritados com isso, mas elas têm razão. Como isso não nos incomoda torna-se comum. O comum torna-se habitual. Como isso não nos incomoda, não queremos mudar nossos hábitos, porque mudar hábito é uma coisa tão complicada e tão chata. Pra quê? Isso não me afeta!

 O racismo, por exemplo, vai muito além de chamar alguém de macaco.
Ele é um sistema complexo de posições de poder, no qual ao negro
sempre é destinado o 'resto', aquilo que os brancos rejeitaram ou rejeitam. 


            No entanto, eu te desafio a abrir os olhos. É um mero exercício de observação e análise. Repare bem o lugar de fala das mulheres. Muitas vezes elas são silenciadas. É tão sutil, que eu levei anos para perceber. Eu fui o responsável por silenciá-las, muitas vezes. Repare bem a cor das pessoas e repare, com ainda mais atenção, onde se concentram as pessoas negras. Será que elas moram na periferia, trabalham em supermercados, postos de gasolina, trabalhos braçais pesados por opção? Será que não lhes falta oportunidade? Repare os próprios movimentos LGBT. Quem são os líderes? Homens ou mulheres? Quem tem mais fala, mais espaço, mais destaque? Repare no funcionamento da família. Quem lava a louça, na maioria das vezes? Quem é obrigado a fazer os serviços domésticos?

            Os privilégios são indiscutivelmente reais. Aquela fala “uma mulher negra, lésbica, pobre, gorda e com deficiência física deve sofrer extremamente” é verdadeira, por mais clichê que tenha se tornado. Há uma escala do preconceito e estes vão se acumulando. É fácil, para quem está numa posição de poder, não ver o quão injusta é a organização da nossa sociedade. E não vemos pelo motivo que citei antes: isso não nos afeta! Mas a luta por espaço nos afeta. Perdemos os nossos privilégios, temos que deixar de lado as nossas regalias e mordomias. Como meninos mimados, a nossa primeira reação é reivindicar o nosso espaço. “É meu! Tira a mão”. Mas... Será que queremos mesmo ser eternos meninos mimados?

O fim do ano passado e começo deste ano foi marcado por uma intensa discussão entre homens e mulheres
sobre o papel dos homens no feminismo. Claro, esta é uma luta que deve ser conjunta, mas até que ponto os homens, muitos na mais sincera vontade de ajudar, não estão tentando tomar o espaço das mulheres e decidir o que as afeta? Como eu disse: não se pode falar de uma posição onde não se encontra. 

            Eu não falo para quem não se importa. Nestes meus vinte anos de idade, acho que já perdi a pretensão de conseguir fazer entrar palavras nos ouvidos de surdos. Eu falo pra você que se solidariza. Caso contrário não estaria perdendo seu tempo, lendo este texto. Eu faço um apelo: antes de reivindicar o seu espaço, tente se colocar no lugar de quem pede lugar. Se você, assim como eu, quer um mundo melhor, tem que aprender a ceder espaço, a compartilhar espaço. Tem que se colocar numa posição de extrema humildade e deixar o outro falar e, principalmente, ouvir. Mas ouvir mesmo, com atenção! E refletir. Mas refletir com cuidado, com vontade! Quem sabe o outro não tem mesmo razão?   


P.S: Neste exato momento eu, homem homossexual, estou tirando um espaço de uma lésbica para falar de como é ser silenciada. Repare bem as postagens desta página: quantos homens escreveram? Quantas mulheres? Qual, das letras da sigla LGBT, foi mais privilegiada? Pense!

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