quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Criminalizar a homofobia é reconhecer a desigualdade

                                                                                                                      Juber Marques Pacífico


"Justiça é o outro nome da paz"
Nos últimos meses a criminalização da homofobia ganhou lugar cativo nos debates eleitorais e isso reacendeu a discussão sobre a legitimidade de se ter uma lei que puna a discriminação sexual e de gênero. Sabe-se que tramita no Congresso Nacional o projeto de lei complementar PLC 122, que equipara a homofobia ao crime de racismo. Com isso qualquer pessoa que direta ou indiretamente discriminar o indivíduo por sua condição sexual e de gênero terá a mesma punição daqueles que discriminam com base na raça/etnia.


Muito se discute sobre a constitucionalidade do projeto, argumentando que seria uma medida exclusivista. Ora, não existe coisa mais exclusivista que leis que protegem os heteronormativos e que tratam com conveniências os homoafetivos. Uma lei justa se verifica no instante em que, segundo Aristóteles, se trata igualmente os iguais e diferente os diferentes, na medida de suas desigualdades. O uso de legislações específicas para alguns indivíduos (política afirmativa) é o instrumento que permite ao Estado corrigir disparidades entre alguns grupos, como o fez, em justiça das mulheres,  no caso da Lei Maria da Penha.

O machismo é o grande iniciador dos preconceitos contra os homossexuais, pois o homem ganhou, na sociedade, status de "ser superior", dono da tradição e responsável pela família, e isso faz com que qualquer desvio desse padrão torne o indivíduo um ser inferior. Tanto isso é um fato que no Brasil houve a necessidade de uma lei específica para proteger as mulheres das agressões sofridas por homens. Nunca se criou uma lei pra proteger o homem, até porque esse, historicamente, sempre foi beneficiado pelas leis e pela moral. O homem não é agredido por ser homem, o homem não é assassinado por ter nascido com um pênis, mas a mulher morre por ser mulher, o gay morre por não seguir os padrões heteronormativos. Os motivos para se agredir e tirar a vida de uma pessoa podem ser variados, mas no caso do homossexual existe um agravante: uma significativa parcela da sociedade acredita que exista poder de escolha desse indivíduo em relação à sua sexualidade. Para muitos, no caso das mulheres, dos negros e dos pobres, nascer integrando uma "minoria" (que na verdade é maioria) é um desígnio de Deus, mas ser LGBT é resultante de uma escolha individual.

A Constituição Brasileira de 1988 deve sempre ser evocada quando se trata de igualdades. No seu artigo 5ª, a nossa carta magna preconiza o direito do cidadão e dever do Estado ao tratamento igualitário, perante a lei, de todos os indivíduos. Sendo assim, quando se afirma que um grupo social está sendo menosprezado em seu direito fundamental, uma lei específica para esse grupo se faz necessária.

O que embasa a necessidade da criminalização da homofobia são os índices: segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB, 2012) a cada ano 336 homossexuais (188 gays, 128 travestis, 19 lésbicas e 2 bissexuais) são mortos no Brasil. Isso significa que a cada 26 horas um LGBT  é assassinado no país. O mais chocante é que, em 75% dos casos, o assassino não é identificado, tornando ainda maior a lista da impunidade. A maioria dessas vítimas são negros (as) e pobres, pois a violência é ainda maior quando se é praticada contra a classe trabalhadora.

Os políticos do nosso parlamento ficam inertes aos números e aos apelos por justiça e eles, juntamente com o governo federal, estão reféns das ideologias evangélicas impregnadas no nosso Congresso Nacional, através da bancada fundamentalista. Com isso, o Judiciário, através do STF, assume a postura de jurídico-legislador e decide questões pontuais que são objeto de ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ou ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) como foi o caso da ADPF 132, que garantiu a união civil homoafetiva em julgamento histórico do órgão máximo do judiciário brasileiro.

A homofobia é uma violência instrumentalizada, pois a morte é a representação de uma ruptura entre o padrão/tradicionalismo e o que é subversão à norma. Quando alguém mata um LGBT está, na verdade, tentando assassinar a toda uma comunidade: o que buscam os assassinos homofóbicos é a eliminação de um modo de vida, de um modo de relação e a nós, que comungamos dos mesmos ideais de igualdade. Em resumo, está se matando o diferente, o contraditório.

Criminalizar a homofobia não é cercear o direito, garantido constitucionalmente, que tem os pastores evangélicos, como o Silas Malafaia, de discursar livremente seu pensamento, mas é colocar na cadeia aqueles que, ao escutarem esses discursos raivosos, se encorajam a, através do uso da crueldade, tirar a vida de pessoas inocentes. A fé é algo privado, mas o direito não pode ser.

Criminalizar a homofobia é mexer nas estruturas, nas redes de segurança, fazendo com que exista um tipo penal que hoje não existe. Hoje ninguém mata e ninguém morre por homofobia, não existe crime sem que este esteja tipificado na legislação penal, isso quer dizer que quando uma pessoa é agredida e/ou assassinada por motivação sexual/gênero, no Boletim de Ocorrência não estará constando tal motivação.

Criminalizar a homofobia é escolher a vida, é reafirmar o princípio da liberdade, é confirmar o compromisso do Brasil com próprio Estado democrático de direito. O exercício da igualdade, da liberdade e da fraternidade é o reconhecimento da cidadania. Não há cidadania sem vida. Não há igualdade quando se extermina o diferente.

A homoafetividade é um fato da vida, ou seja, foge do nosso controle, não tem como mudar algo que está posto, que existe. Mas é possível escolher. Escolher entre tornar esse fato uma ditadura violenta ou tornar, mesmo com todas as dificuldades, a sociedade um espaço onde o diferente é respeitado. A dignidade da pessoa humana deve ser preservada sempre. Ninguém pode servir como meio para a realização/manutenção dos projetos de outros.

Portanto, não será possível se falar em justiça se não houver a paz, e não teremos paz enquanto o Estado não reconhecer que algumas desigualdades matam, e que certas minorias estão sendo massacradas pelo fanatismo religioso, pela cegueira do preconceito ou pelo medo do não-padrão. Por isso criminalizar a homofobia é dizer que existe a desigualdade, não reconhecer significa considerar os gays, lésbicas, transexuais, travestis e bissexuais coisas e não seres humanos. 

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